Filho de um ex-combatente da Marinha, o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, costuma aparecer com frequência no Facebook e no Instagram de Jair Bolsonaro.
Amigo de Bolsonaro há oito anos, Malafaia conheceu o deputado durante um culto em sua igreja, da qual a atual mulher do candidato, Michele Firmo, é seguidora. Em março de 2013, Malafaia casou-os numa cerimônia para 150 convidados no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro.
Ele se orgulha de apoiar o candidato do PSL à Presidência: “Não tem nenhum líder religioso que faça mais vídeos apoiando Bolsonaro do que eu”, disse. Na última semana, contudo, outros religiosos evangélicos embarcaram na candidatura do capitão.
No sábado, o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, anunciou no Facebook sua predileção por Bolsonaro. Dois dias depois, durante um culto em que celebrava seu aniversário de 84 anos, foi a vez do pastor José Wellington Bezerra, presidente da Assembleia de Deus, a maior congregação evangélica do país: “De todos os candidatos, o único que fala o idioma do evangélico é Bolsonaro. Não podemos deixar a esquerda voltar ao poder”.
É o sentimento antiesquerda que move a horda religiosa na direção do presidenciável direitista.
Em 1980, os evangélicos eram 6,6% da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2000, o número passou a 15,4%. Em 2010, somavam 22,2% dos brasileiros — ou cerca de 40 milhões de eleitores.
A maior parte dessa população fica no Sudeste. Uma pesquisa realizada pelo Ibope em 11 de setembro mostrou que Bolsonaro tinha 33% das intenções de voto entre os evangélicos. Na pesquisa de 1º de outubro, esse número saltou para 40%.
“O grande erro da esquerda foi ter ido com muita sede ao pote para apoiar os temas morais que o cristão rejeita”, disse Malafaia. “Aborto, ideologia de gênero, casamento gay, liberação de drogas, queer museu.” A fala do pastor encontra certo respaldo em estudos acadêmicos.
Para Isabel Veloso, pesquisadora do Centro de Justiça e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV) e doutora em ciência política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Bolsonaro começou a ficar conhecido no meio evangélico depois de ter levado uma cusparada do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) e, no Congresso, ter passado a pregar contra o casamento entre gays.
“Para o evangélico, o que é prioritário é a pauta conservadora, o combate ao aborto, à união LGBT e à própria esquerda, dada a leitura que fazem do socialismo e do comunismo.” Segundo Veloso, os evangélicos estão interessados em “ter um candidato que possa defender um Brasil mais próximo da Bíblia , um Brasil que prioriza a família”.
Ao serem abraçadas pela esquerda, as pautas mais humanistas passaram também a ser associadas ao PT. Quando Bolsonaro culpa Fernando Haddad pela invenção do “kit gay” — como gosta de chamar o material escolar lançado em 2011 pelo Ministério da Educação com abordagens sobre gênero e orientação sexual —, essa associação ganha força.
“Apesar de o PT não ser um partido que tenha uma agenda comunista ou socialista, os evangélicos imaginam que a esquerda é comunismo, e comunismo é algo ateu, contrário à família. Essa é a visão preponderante”, pontuou Veloso.
“É uma visão simples de associar um selo. Esquerda, então comunista. Comunista, então ateia. Ateia, contra a família e pró-união homoafetiva e aborto, por exemplo.”
Bolsonaro, disse a pesquisadora, também contou com a ajuda, mesmo que involuntária, de adversários para conquistar os evangélicos durante a corrida presidencial.
“Três candidatos têm a simpatia deles. Além de Bolsonaro, Marina e Daciolo”, disse ela.
“Como a família é prioritária para o evangélico, eles acabam se associando ao Bolsonaro por ser ele a pessoa que realmente se posiciona contra o casamento gay e o aborto. A Marina, que teria mais chances de tirar voto evangélico dele, não fez isso. Ela preferiu dizer que faria um plebiscito, em vez de dar a opinião dela, o que afastou o voto dos convertidos. Marina já teve um protagonismo maior nessa parcela do eleitorado, mas decidiu assumir uma posição dúbia em relação às principais demandas dos evangélicos.” Daciolo, por sua vez, “embora fale a linguagem dos evangélicos, não teve tempo nem estrutura para crescer e se tornar mais conhecido entre eles”, disse Veloso.
Na visão da pesquisadora, outro fator que colabora com o crescimento do capitão da reserva entre evangélicos são as fake news.
“O fato de estarem divulgando que um eventual governo PT inflaria a questão da ideologia de gênero, traria para as escolas uma série de materiais inadequados e que, por isso, as crianças passariam a ser gays ilude. O tipo de eleitorado que Bolsonaro tem, que não é um eleitorado que confirma a fonte das informações, faz com que essas fake news sejam difundidas.”
A ofensiva dos principais líderes evangélicos brasileiros em favor de Bolsonaro, embora aparentemente tardia, pode produzir efeitos devastadores para os adversários do presidenciável na reta final do primeiro turno. De todos os brasileiros religiosos, os evangélicos são os que mais comparecem a cultos e os que mais contribuem financeiramente com suas igrejas. Segundo o Estudo eleitoral brasileiro ( Eseb ), os evangélicos aparecem com 83% de frequência aos cultos, ante 36% dos católicos e 49% dos espíritas. Em uma pesquisa Datafolha, 89% dos evangélicos pentecostais diziam contribuir regularmente com dinheiro à igreja.
Número maior que entre espíritas (44%), católicos (75%) e umbandistas (58%). “Eles têm uma frequência muito alta nos cultos”, disse Veloso. “É o local onde adquirem muita informação. Vão mais ao culto, interagem mais e estão mais abertos a falar de política do que na Igreja Católica, por exemplo. A rede deles é mais forte.” É difícil, no entanto, calcular a quantidade de votos que pode nascer a partir do incentivo de um pastor, afirmou a pesquisadora.
Durante suas andanças pelo Rio de Janeiro, Veloso também descobriu que a indicação de candidatos por parte de pastores ocorre muitas vezes de maneira velada, já que é contra a lei. “Eles falam dos candidatos durante o culto de maneira sutil ou levam candidatos para ser apresentados e orar com os fiéis”, disse.
Outra tática costumeiramente utilizada pelos políticos religiosos é recrutar fiéis que distribuem panfletos perto dos templos. Os políticos também recorrem ao apoio público de pastores, anunciado no noticiário e nas redes sociais, como os da última semana. “Fora que esses líderes são proprietários de redes de televisão”, pontuou Veloso.
Se o Estado é laico, as campanhas dos homens que tentam comandá-lo são quase sempre clericais. No caso de Bolsonaro, até o slogan da candidatura — “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” — remete à religião. Não é difícil encontrar o nome do altíssimo ao lado de imagens de fuzis AR-15 estampados nas camisetas vendidas por apoiadores do candidato durante a campanha. O bordão que inclui Deus é repetido por Bolsonaro desde os anos 80, quando se elegeu vereador no Rio.
Faz dois anos que Bolsonaro ganhou mais atenção dos evangélicos. Em 11 de maio de 2016, um dia antes de o Senado decidir afastar Dilma Rousseff da Presidência, Bolsonaro e seus três filhos políticos — Flavio, Carlos e Eduardo — foram levados pelo Pastor Everaldo, presidente do PSC, partido ao qual Bolsonaro foi filiado por dois anos, ao Rio Jordão, no nordeste de Israel.
Lá, os Bolsonaros foram batizados segundo manda aBíblia , com a cabeça mergulhada nas águas esverdeadas, o mesmo local onde, segundo a Bíblia , Jesus Cristo recebeu seu batismo. A simpatia dos evangélicos sempre foi alvo de Bolsonaro.
No Congresso, os deputados mais próximos pertenciam à bancada evangélica. Em comícios, o presidenciável alterna com frequência referências ao Hino Nacional e a versículos bíblicos.
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