A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado deve votar nesta quarta (4) a chamada PEC das Praias que, caso
seja aprovada, pode privatizar terrenos no litoral que hoje pertencem à União.O que aconteceu
Apresentada em 2011, a proposta prevê transferir a posse integral dos terrenos de marinha para estados, municípios ou ocupantes particulares. Nos dois primeiros casos, a transferência seria gratuita; no terceiro, mediante pagamento de taxa.
O temor é que, na prática, isso privatize as praias. Como o proprietário seria o único dono do espaço, ele poderia transformar a praia em espaço particular. A PEC foi aprovada pela Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022, e começou a ser discutida na CCJ do Senado em maio deste ano. Após a repercussão negativa da proposta, que gerou até briga entre famosos, a votação foi adiada e voltou à pauta agora. Até esta segunda (2), uma enquete pública sobre o tema no site do Senado tinha 2.324 votos a favor e 160.207 contrários.
O relator é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que defende a aprovação da proposta. Diante da polêmica, ele acrescentou uma emenda ao texto, afirmando que as praias são públicas.
"As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar [...] não sendo permitida qualquer forma de utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso da população às praias", diz o acréscimo.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), contrário ao texto, essa adição não é suficiente. "Só essa emenda não é o bastante para garantir que as praias continuem acessíveis. Hoje, temos vários planos diretores que garantem o acesso às praias e, mesmo assim, há alguns pontos em que hotéis, por exemplo, fazem praias privadas", disse. Ele falou que, como houve mudanças no texto, deve pedir vista —mais tempo para analisar a matéria.
Costa ressaltou que o texto não ameaça somente o lazer da população. "Em tempos de mudança climática, a propriedade desse terreno é importantíssima para o meio ambiente, para o controle da pesca", declarou
O que são os terrenos de marinha?
Toda a área do litoral brasileiro numa faixa de 33 metros a partir do mar em direção ao continente é considerada terreno de marinha. Essa medida não é exata, porque se baseia na Carta Náutica de 1831, e as marés se alteraram desde então. Segundo a Constituição, esses terrenos pertencem ao governo brasileiro. Não há relação desses espaços com a Marinha, uma das três Forças Armadas.
Os donos de imóveis nesta faixa compartilham o terreno com a União, e devem pagar anualmente dois impostos, chamados de foro e laudêmio. A propriedade é dividida na proporção de 83% para o cidadão e 17% para a União -é sobre esse percentual que o tributo é calculado
A SPU (Secretaria de Gestão de Patrimônio da União), estima que cerca de 2,9 milhões de imóveis estejam em terrenos de marinha. Desses, apenas 565 mil estão cadastrados atualmente. A secretária-adjunta do órgão, Carolina Gabas Stuchi, disse que a aprovação da PEC causaria um "caos administrativo". "Teríamos que achar, cadastrar todos os ocupantes desses quase 3 milhões de imóveis que não conhecemos", disse ela em audiência pública.
Essas áreas valem R$ 213 bilhões, segundo balanço da União. Stuchi relatou que, só em 2023, a União arrecadou R$ 1,1 bilhão em impostos vindos destes terrenos. Deste total, 20% foi repassado aos municípios.
Levantamento feito pelo UOL em junho mostrou que a aprovação da PEC das Praias beneficiaria ao menos 295 políticos. Vereadores, deputados e senadores são proprietários de imóveis em terrenos de marinha e não teriam mais que pagar as taxas correspondentes.
Se for aprovada na CCJ, a PEC ainda precisa ser votada em dois turnos no plenário do Senado. A matéria deve ser pautada pela Presidência da Casa, e precisa receber apoio de 3/5 dos parlamentares (ou seja, 49 dos 81 senadores) para avançar. Se houver mudanças significativas no texto, ele volta para apreciação da Câmara. Se não, segue para promulgação.UOL
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